sexta-feira, 21 de março de 2008

A parábola do cercadinho

Era uma vez um pastor. Ele sabia que era pastor, porque amava as ovelhas. Amava passar noites inteiras sob o orvalho cuidando daqueles humildes seres felpudos; arrebanhava todas com seu cajado e as chamava, cada uma, pelo nome. Mas nunca havia exercido sua profissão, a não ser como aprendiz.
Então, um dia, seu mestre disse: Chegou a hora, você irá pastorear. Pegue todas as ovelhas perdidas que achar no caminho: as sujas, as feridas, as cegas e velhas também. Abrace a essas todas, e traga-as juntas para os pastos verdejantes onde possam correr e se alimentar, e para as águas tranquilas, onde suas lãs enxarcadas não afundem, e as façam ser arrastadas pela correnteza rápida. Cuidado com os animais ferozes. Enquanto você estiver por perto, eles não atacarão. Mas se você descuidar das vidas sobre as quais você é responsável, de certo elas serão destruídas. Vá agora, e bote em prática tudo o que aprendeu comigo!
O pastor saiu então pelas terras selvagens de seu país natal, acolhendo todos animais perdidos que achava pelo caminho. Mesmo os mal-cheirosos, os irritadiços e medrosos. Procurou em cada vale, abismo e elevação íngreme; vasculhou cada monte, planície e bosque, e aos poucos juntou para sí um grande rebanho, que o seguia alegremente por onde quer que fosse. Foi quando ele pensou: Genial! Eu tenho um rebanho ainda maior que o de meu mestre! Isso quer dizer que eu já aprendi tudo o que tinha que aprender nesse meu período de treinamento, e me provei, realmente, um grande pastor! Nada mais pode me surpreender!
O pastor, então, construiu para seu rebanho um grande cercadinho para que suas numerosas ovelhas não se perdessem. Afinal, seu maior orgulho era a quantidade de seus animais, agora cheirosos, limpos e alegres, que ele mesmo havia conseguido colecionar em suas andanças. Começou a alimentá-las com uma ração preparada e industrializada, e elas começaram a engordar. Vinham pessoas de todo o mundo visitar aquele aprisco, e se admiravam como as ovelhas pareciam saudáveis, alegres e gordas.
- É uma maravilha! - Diziam - Uma nova forma de administração de apriscos, sem dúvida alguma!
Outros pastores, gananciosos e invejosos, começaram a construir para sí mesmos seus próprios cercadinhos, assim como o primeiro pastor de nossa história. Como não gostavam de sair para recolher ovelhas perdidas e sujas, afirmando que animais nesse porte costumam dar muito trabalho, começaram a negociar as ovelhas já limpas e saudáveis de outros apriscos. Alguns chegavam na calada da noite e roubavam o maior número possível de ovelhas, enquanto que o pastor descansava sobre sua cama confortável na sede administrativa do aprisco das ovelhas saudáveis.
A invenção do cercadinho, apesar disso, foi um grande sucesso. Todos os pastores começaram a enriquecer horrores, e as ovelhas, agora presas e confinadas, não estariam mais a mercê de sua própria burrice, arriscadas a cair em buracos no meio do caminho, quebrando patas, se ferindo ou até morrendo afogadas. Era um plano aparentemente perfeito! Se elas sentissem fome, seriam alimentadas com ração. Caso estivessem com sede, beberiam daquele colcho comunitário, como toda boa ovelha. Todas juntas, sem distinção, sem originalidade. Mais do que se fosse uma irmandade, seria mesmo uma grande massa! Um grande conjunto de ovelhas sendo tratadas como se fossem apenas uma. Isso, sem dúvida, poupava o trabalho dos pastores, que agora se ocupavam com tarefas muito mais administrativas. Se perguntados, eles diriam: Tudo o que faço, faço pelo bem de minhas ovelhas. Você vê? Elas não estão bem? Então tudo está bem, e nada poderia ser melhor.
Mas numa certa noite silenciosa, um lobo faminto se aproximou dos apriscos. Os pastores dormiam a sono pesado em suas camas, murmurando palavras de satisfação, e não ouviram o animal saltar o cercadinho e despedaçar todas as belas ovelhas confinadas. Como elas não podiam pular para fora como a fera fizera (e mesmo que pudessem, não o fariam porque estavam muito gordas), suas entranhas e restos mortais acabaram espalhados sobre a relva verde. Os corvos atacaram as que restavam feridas, e no fim, poucas sobreviveram.
O dia nasceu sem promessas para o frustado pastor, que chorou amargamente.
Enquanto isso, seu Mestre cruzava lentamente um vale, com suas ovelhas, longe do local do perigo. O lobo sabia que seria loucura ousar contra um homem tão forte, tão sábio e com tanto amor por aqueles animais; mesmo que não fossem tão bonitos, limpos e gordos como eram as ovelhas do cercadinho. Elas, em contra partida, eram alegres por serem livres. Poderiam não comer aquela ração gordurosa e ser em tanto número como as outras, mas elas sabiam que podiam confiar no Verdadeiro Pastor. Algumas se machucavam, caíam e feriam suas patas, é verdade, mas sempre puderam ver naquele Homem alguém que daria sua própria vida por qualquer uma delas. Mesmo sem nunca terem sido muito obedientes, limpas ou inteligentes.
E essas nunca foram destruídas por fera alguma.

2 comentários:

Unknown disse...

hummm o começo me faz lembrar de filhos e criaturas.

Unknown disse...

Igrejas ou Empresas?
é triste...

Ótima ilustração! Ótima história!

Tomara que isso mude um dia, em nome do "Pastor Mestre"!

Pz!